sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

SEMPRE EM MEU CORAÇÃO



Romance de Diedra Roiz
Escrito entre 06 de Janeiro e 01 de Abril de 2016.
Postado entre 29 de Janeiro e 26 de Abril de 2016. 
Publicado pela editora Vira Letra em 10 de Novembro de 2017.


SEMPRE EM MEU CORAÇÃO
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SINOPSE 
Qual é o tempo do amor? 
Muito jovem ou já se passou da fase, dias sem fim ou eterno enquanto dura, um evento moderno ou um acontecimento livre das amarras do tempo? 
Nessa história romântica, com ares do Rio de Janeiro da década de 1940 – época em que a mulher, ao casar, perdia sua plena capacidade e tinha sua existência submetida ao marido –, seguimos a trajetória de Eduarda, Maria Lúcia e Nora, três mulheres fortes e, cada uma a sua maneira, bem à frente de seu tempo: 
Para Nora, não havia grandes promessas, um lar desarranjado, o trabalho precoce, o assédio ameaçando-a onde quer que fosse. O amor? Ela não tinha tempo para essas fantasias, sua vida tinha o custo de seu suor. Já Maria Lúcia viu na paixão a chave para um mundo de muitas cores, ainda que algumas delas fossem assustadoras para as outras pessoas. Já de Eduarda, a vida tinha roubado as ilusões antes mesmo que pudessem fincar raízes. Prática, um pouco amarga, acostumou-se a colher apenas o que plantava, olhar para o presente que, ao seu passar, a distanciava de um passado doloroso. 
O fio do destino que entrelaçou essas vidas cuidou de trazer à luz o que vivia sempre em seus corações...



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OBS IMPORTANTE: 
A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 


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PRÓLOGO



Deixou escapar um suspiro alto sem querer. Foi o que bastou para que a mulher mais velha ralhasse:

- Você não é paga para sonhar, menina! Termine logo essa limpeza!

Com os olhos muito arregalados, Nora sacudiu o espanador que tinha nas mãos com muito mais velocidade e presteza. A última coisa que queria era que a outra fizesse queixa. Não fazia nem um mês que estava ali, em seu primeiro emprego. Na casa onde sua mãe durante tantos anos havia sido cozinheira. Antes de tê-la. Na verdade, havia deixado o emprego exatamente por estar de “bucho cheio”. História que a mãe nunca lhe contara, apenas juntara fragmentos, buscando alguma pista sobre o próprio pai, de quem a mãe jamais falava e que a menina nunca chegara a conhecer. O pouco que sabia tinha ouvido de forma furtiva, esgueirando-se atrás das portas ou pelos cantos das paredes, quando ninguém lhe notava a presença. Coisa fácil e habitual quando era criança e que havia mudado subitamente... Assim que começou a botar corpo.

- Nora está virando moça.

O padrasto repetiu inúmeras vezes, avaliando-a de cima a baixo, de um jeito diferente. A inocência de Nora tornava impossível compreender o súbito interesse completamente, mas seu instinto era o suficiente para que sentisse uma estranha repulsa e necessidade de se manter longe do homem que nunca lhe dispensara uma palavra ou olhar a vida inteira, e que agora passara a sempre observá-la atentamente.

Nada precisou dizer. A mãe via, percebia e temia pela filha. A única mulher de seus bebês. Precisava protegê-la. Assim sendo, fez o que tinha que fazer. A menina não precisava mais de escola, já conseguia ler, escrever e contar. Era mais do que qualquer um deles era capaz de fazer. Estudar para quê? 

Nora então foi trabalhar como arrumadeira. Em troca de três refeições completas por dia e lanches bastante generosos no meio, um quarto que dividia com a cozinheira e a copeira, e uniformes que eram as primeiras roupas que possuía sem terem sido de outras pessoas antes e que não continham manchas, partes cerzidas ou remendos. O parco salário enviava para a mãe e os meio irmãos. 

“Eles precisam mais do que eu.”

Naquela noite em especial, estava ansiosa, nervosa e feliz. Como nunca antes estivera. Tinha um encontro. Seu primeiro. Com o filho da casa, um moço mais velho do que ela, que parecia um artista de cinema. De manhã cedo o rapaz havia lhe dado um pequeno chocolate com um recheio que Nora não soube identificar, mas que explodiu em sua boca em mil sensações deliciosas e completamente desconhecidas ao seu simplório paladar. 

- Me encontre no jardim depois do jantar, perto das roseiras, e te dou mais.

Foi a promessa dele antes de se afastar.

Nora guardou o papel cuidadosamente. Primeiro nas dobras do avental e mais tarde entre as páginas de seu diário. 

Depois ficou a espera... 

De que seus sonhos românticos, alimentados pelas revistas que lia e as novelas que ouvia na rádio finalmente se concretizassem.

No entanto, a realidade não foi, em nada, poética. Entre assustada e humilhada, tentou desvencilhar-se da boca e das mãos invasoras dele. De nada adiantou chorar e implorar para que parasse, nem repetir soluçando:

- Não! Me solta! Eu não quero!

Sua saia foi levantada e o moço cujas feições já não possuíam mais nada de belas tentou tocá-la... De uma forma que não devia, não podia ser certa.

O grito que a salvou veio de fora:

- Luiz Octávio, o que você está fazendo?

Ao ver a noiva se aproximando, o rapaz imediatamente a soltou e, ainda aos prantos e em completo pavor, Nora caiu no chão, sobre os próprios joelhos.

- Pelo amor de Deus, Eduarda! Você não pode...

O que quer que fosse dizer, se perdeu. Interrompido pela bofetada que levou.

- Eu não posso o quê?

O rapaz levou a mão direita ao rosto e esfregou o lugar onde a noiva o havia acertado:

- Seu comportamento não é o que eu espero de minha futura mulher.

Ela o enfrentou, sustentando o olhar dele... De igual para igual:

- E o seu não é o que eu espero de um ser humano.

Ele piscou, indisfarçavelmente perplexo:

- Quê? Como é?

O sorriso dela continha... Muito mais do que alívio, prazer e felicidade:

- Pode considerar o nosso compromisso desfeito.

Independência.

Segurança.

Superioridade.

Nora nunca tinha visto isso em uma mulher antes.

Da mesma forma extraordinária, os olhos da outra buscaram e encontraram os dela:

- Você está bem?

Nora apenas sacudiu a cabeça aquiescendo, inteiramente incapaz de qualquer outra coisa além de desejar... Ser como ela.

GOSTOU?

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A história não está completa, disponibilizamos apenas os três primeiros capítulos para degustação. 

postado originalmente em 29 de Janeiro de 2016 às 17:58.

PRÓLOGO


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Deixou escapar um suspiro alto sem querer. Foi o que bastou para que a mulher mais velha ralhasse:

- Você não é paga para sonhar, menina! Termine logo essa limpeza!

Com os olhos muito arregalados, Nora sacudiu o espanador que tinha nas mãos com muito mais velocidade e presteza. A última coisa que queria era que a outra fizesse queixa. Não fazia nem um mês que estava ali, em seu primeiro emprego. Na casa onde sua mãe durante tantos anos havia sido cozinheira. Antes de tê-la. Na verdade, havia deixado o emprego exatamente por estar de “bucho cheio”. História que a mãe nunca lhe contara, apenas juntara fragmentos, buscando alguma pista sobre o próprio pai, de quem a mãe jamais falava e que a menina nunca chegara a conhecer. O pouco que sabia tinha ouvido de forma furtiva, esgueirando-se atrás das portas ou pelos cantos das paredes, quando ninguém lhe notava a presença. Coisa fácil e habitual quando era criança e que havia mudado subitamente... Assim que começou a botar corpo.

- Nora está virando moça.

O padrasto repetiu inúmeras vezes, avaliando-a de cima a baixo, de um jeito diferente. A inocência de Nora tornava impossível compreender o súbito interesse completamente, mas seu instinto era o suficiente para que sentisse uma estranha repulsa e necessidade de se manter longe do homem que nunca lhe dispensara uma palavra ou olhar a vida inteira, e que agora passara a sempre observá-la atentamente.

Nada precisou dizer. A mãe via, percebia e temia pela filha. A única mulher de seus bebês. Precisava protegê-la. Assim sendo, fez o que tinha que fazer. A menina não precisava mais de escola, já conseguia ler, escrever e contar. Era mais do que qualquer um deles era capaz de fazer. Estudar para quê? 

Nora então foi trabalhar como arrumadeira. Em troca de três refeições completas por dia e lanches bastante generosos no meio, um quarto que dividia com a cozinheira e a copeira, e uniformes que eram as primeiras roupas que possuía sem terem sido de outras pessoas antes e que não continham manchas, partes cerzidas ou remendos. O parco salário enviava para a mãe e os meio irmãos. 

“Eles precisam mais do que eu.”

Naquela noite em especial, estava ansiosa, nervosa e feliz. Como nunca antes estivera. Tinha um encontro. Seu primeiro. Com o filho da casa, um moço mais velho do que ela, que parecia um artista de cinema. De manhã cedo o rapaz havia lhe dado um pequeno chocolate com um recheio que Nora não soube identificar, mas que explodiu em sua boca em mil sensações deliciosas e completamente desconhecidas ao seu simplório paladar. 

- Me encontre no jardim depois do jantar, perto das roseiras, e te dou mais.

Foi a promessa dele antes de se afastar.

Nora guardou o papel cuidadosamente. Primeiro nas dobras do avental e mais tarde entre as páginas de seu diário. 

Depois ficou a espera... 

De que seus sonhos românticos, alimentados pelas revistas que lia e as novelas que ouvia na rádio finalmente se concretizassem.

No entanto, a realidade não foi, em nada, poética. Entre assustada e humilhada, tentou desvencilhar-se da boca e das mãos invasoras dele. De nada adiantou chorar e implorar para que parasse, nem repetir soluçando:

- Não! Me solta! Eu não quero!

Sua saia foi levantada e o moço cujas feições já não possuíam mais nada de belas tentou tocá-la... De uma forma que não devia, não podia ser certa.

O grito que a salvou veio de fora:

- Luiz Octávio, o que você está fazendo?

Ao ver a noiva se aproximando, o rapaz imediatamente a soltou e, ainda aos prantos e em completo pavor, Nora caiu no chão, sobre os próprios joelhos.

- Pelo amor de Deus, Eduarda! Você não pode...

O que quer que fosse dizer, se perdeu. Interrompido pela bofetada que levou.

- Eu não posso o quê?

O rapaz levou a mão direita ao rosto e esfregou o lugar onde a noiva o havia acertado:

- Seu comportamento não é o que eu espero de minha futura mulher.

Ela o enfrentou, sustentando o olhar dele... De igual para igual:

- E o seu não é o que eu espero de um ser humano.

Ele piscou, indisfarçavelmente perplexo:

- Quê? Como é?

O sorriso dela continha... Muito mais do que alívio, prazer e felicidade:

- Pode considerar o nosso compromisso desfeito.

Independência.

Segurança.

Superioridade.

Nora nunca tinha visto isso em uma mulher antes.

Da mesma forma extraordinária, os olhos da outra buscaram e encontraram os dela:

- Você está bem?

Nora apenas sacudiu a cabeça aquiescendo, inteiramente incapaz de qualquer outra coisa além de desejar... Ser como ela.


postado originalmente em 29 de Janeiro de 2016 às 17:58.




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CAPÍTULO UM



SEMPRE EM MEU CORAÇÃO
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Enquanto Nora colocava os pratos e talheres na enorme mesa do refeitório, Maria Lúcia andava ao redor dela, saltitante e tagarela como sempre. Imersa em seus próprios pensamentos, que divergiam completamente dos interesses da amiga, só ouviu a última frase:

- Ai, ele é um sonho!

Desnecessário escutar o resto para saber a quem ela se referia. Paulo, por quem Maria Lúcia estava perdidamente apaixonada fazia tempo, e que nos últimos dois meses havia se tornado seu namorado. Em segredo, obviamente. Pois se Madre Desterro ou uma das freiras sequer desconfiasse...

Podia até ouvi-las cochichando escandalizadas:

“A filha de uma das famílias mais ricas e tradicionais... Engraçando-se com um rapaz que... Entrega a correspondência do colégio... E além de pobre é... De cor!”

Alheia aos efeitos e resultados que aquilo poderia – e iria, Nora tinha certeza! – acarretar, Maria Lúcia permaneceu imersa em seu mundinho perfeito de princesa a quem nunca havia sido negado nada:

- Olha o que ele me deu...

Puxou o cordãozinho de ouro que sempre trazia no pescoço, lembrança de sua madrinha de crisma, e mostrou para Nora... O anel de latão pendurado junto a sua medalhinha de Santa Terezinha, de quem era muito devota.

Beijou o anel apaixonadamente antes de guardá-lo de volta junto ao coração.

- Maria Lúcia, o que você quer que eu lhe diga?

Olhou aflita para aquela que nos últimos sete anos, havia sido sua única e melhor amiga. Desde que o pai dela tinha decidido enviar as duas para o mesmo colégio interno. Movido pelo remorso, ou para compensar o que quase havia acontecido ou talvez... Como Nora gostava de acreditar... Por sugestão da ex-noiva do filho. 

O fato é que, a despeito de ter que trabalhar nos intervalos do estudo e viver na ala das alunas mantidas por caridade, para Nora havia sido... A melhor coisa que já lhe acontecera.

A voz de Maria Lúcia a trouxe de volta à realidade:

- Não diga nada. Eu sei muito bem o que você pensa. 

Segurou as mãos de Nora entre as dela, falou numa só respiração, de uma maneira absolutamente fervorosa, fremente e intensa:

- Acha que o amor é apenas uma ilusão, uma besteira. Mas isso é só porque você nunca se apaixonou, apenas. Quando acontecer, Nora, você vai ver...

Nora não permitiu que ela completasse. Soltou-se e, após um olhar reprovador e um aceno em negação com a cabeça, voltou a arrumar a mesa. Totalmente acostumada com a seriedade, a falta de romantismo e o ceticismo da amiga, Maria Lúcia não se deu por vencida:

- Você vai ver que o amor é maior e mais forte que tudo. É capaz de derrotar qualquer coisa e transpor qualquer barreira!

Só conseguiu fazer com que Nora risse:

- Você sonha em ser Julieta. E eu... Me contentaria perfeitamente em ser Jane Eyre.

Maria Lúcia suspirou:

- Ah, Nora! É um romance lindo também!

E Nora franziu o cenho:

- Não era ao romance que eu me referia, mas... Ao emprego.

Fazia meses que procurava. No entanto, ainda não obtivera nenhuma resposta positiva. E quanto mais o fim de seu último ano letivo se aproximava, mais o que tanto almejava - tornar-se professora ou preceptora - parecia... Inatingível.

Afastou seus temores e receios mais profundos com a obstinação que se tornara uma de suas mais fortes características:

“Posso trabalhar. Onde for preciso. Na rua eu não fico.”

Depois da morte da mãe, dois anos atrás, voltar para casa se tornara impossível. Parou e riu de si mesma:

“Casa. Onde será que fica isso?”

Foi neste exato instante que Madre Desterro entrou no recinto. E dirigiu-se a ela do jeito de sempre - absolutamente ríspido:

- Converse menos e trabalhe mais, Honorina!

O tom que usou com Maria Lúcia foi outro, bem diferente. Quase carinhoso:

- Venha comigo, minha querida.

Doce e penalizado demais para que ela não suspeitasse:

- Aconteceu alguma coisa, Madre?

A expressão da freira, a forma como segurou o braço de Maria Lúcia e falou:

- Venha comigo, por favor.

Disse mais do que qualquer outra coisa.



Diverso ao que as duas pensaram, a conversa não estava relacionada ao envolvimento de Maria Lúcia com Paulo. 

Era algo muito pior, para o qual ela não estava, nem jamais estaria preparada: a perda do pai.

Preocupada com a amiga, Nora tentou inutilmente ouvir o que estava acontecendo dentro da sala fechada. Mas a porta era rústica, pesada e grossa demais, só lhe permitiu escutar os soluços desesperados de Maria Lúcia quando a conversa chegou ao final.

Com a boca seca e incontrolavelmente angustiada, só o que pôde fazer foi esperar... Até que, afinal, a porta fosse aberta e Madre Desterro - com uma das mãos sobre o ombro de Maria Lúcia, que ainda chorava - a fitasse, sem esconder a surpresa ao encontrá-la ali parada do outro lado.

- Deseja alguma coisa?

Sem tirar os olhos de Maria Lúcia, Nora gaguejou:

- Eu só... Só vim ver como ela estava.

Maria Lúcia ergueu os olhos para a amiga e, em meio aos soluços incessantes, conseguiu balbuciar, com muita dificuldade:

- Ah, Nora... O meu pai...

Atirou-se nos braços de Nora, sem que fosse preciso dizer mais nada. A voz de Nora saiu pesada, quase sufocada pelo pesar:

- Eu sinto muito.

O mesmo com que a segurou com força entre os braços. 

- Honorina...

O chamado de Madre desterro fez com que Nora a fitasse. Por um instante, pensou ver algo muito parecido com empatia no rosto da freira, mas não passou de um vislumbre rápido:

- Leve Maria Lúcia para o quarto dela e depois volte para servir o jantar.



Somente depois que toda a cozinha estava arrumada e limpa as alunas bolsistas que trabalhavam, entre elas Nora, puderam descansar. 

Mas naquela noite, Nora não acompanhou suas colegas até o dormitório mais simples para se deitar. Caminhou cautelosamente, oculta pelo conivente disfarce das sombras até o dormitório das mais afortunadas, esgueirando-se pelas escadas até o último andar, destinado às estudantes do último ano. 

Duas batidas fracas, bem de leve e secas a anunciaram antes que abrisse a porta do primeiro quarto à direita e entrasse. Sinal combinado entre elas que desde o primeiro ano usavam.

Nenhuma das duas disse nada. Maria Lúcia continuou prostrada, abraçada nas próprias pernas, o rosto enfiado entre os joelhos. Exatamente como, horas atrás, Nora a havia deixado.

Sentou-se ao lado da amiga e a abraçou:

- Está com fome?

Ela demorou a responder:

- Não.

Nora quase se sentiu aliviada:

- Que bom. Pois não consegui surrupiar nada. Como sempre, as freiras nos vigiaram com olhos de águia.

Maria Lúcia ergueu o rosto inchado de tanto chorar. Havia na maneira que a fitou algo quase febril, que Nora nunca havia percebido em seu olhar:

- Eu preciso de você, Nora. Pode me ajudar?

Nora riu, tentando afastar a sensação assustadora que ameaçava dominá-la:

- Onde está a novidade?

Algo que a seriedade com que Maria Lúcia proferiu as próximas palavras só serviu para acentuar:

- Desta vez é diferente. Não vai ser fácil. E é... No mínimo arriscado.

Deixando o temor de lado, Nora permitiu que sua natureza generosa a guiasse:

- O que é? 

Faria o possível e o impossível para oferecer todo o auxílio que a amiga precisasse.



No dia seguinte pela manhã, Madre Desterro as escoltou até o portão, onde esperaram menos de dez minutos pelo Cadillac preto de luxo que estacionou em frente a calçada onde estavam. Um homem vestido de libré azul marinho desceu do carro, aproximou-se e perguntou, num tom absolutamente formal:

- Senhorita Maria Lúcia?

Olhou de uma moça para a outra, visivelmente confuso. Mas as duas permaneceram caladas, obrigando a freira a tomar a palavra: 

- Ela está bastante abalada.

Como que para comprovar o que a Madre havia dito, as duas se abraçaram. Ainda sem ser capaz de identificar quem era quem, o empregado impecavelmente uniformizado disse:

- Sou Jaime, seu criado. A senhorita Eduarda teve um imprevisto inadiável e pediu para que eu viesse buscá-la.

Ao que Madre Desterro deixou escapar, como se pensasse alto:

- Eu não esperava mesmo que ela viesse.

Fazendo com que Jaime se virasse para a freira:

- Perdão. Como disse?

Ela se apressou em se corrigir:

- Nada. Eu não disse nada.

Explicou, visivelmente abalada:

- Honorina era criada da família de Maria Lúcia e vai acompanhá-la.

Depois se virou e os deixou, sem nem ao menos despedir-se. O que para Nora e Maria Lúcia foi uma benção, pois facilitava – e muito – o plano que haviam traçado. 

Jaime adiantou-se e abriu a porta do banco de trás para que elas entrassem.

Enquanto ele arrumava as bagagens no porta-malas, Nora virou-se para Maria Lúcia: 

- Ainda podemos voltar atrás! Desistir desta loucura!

A amiga respondeu no mesmo tom, para que só as duas escutassem:

- De jeito nenhum! Vamos fazer como combinado!

Assim que terminou a frase, o chofer entrou no carro:

- Podemos ir?

Maria Lúcia cutucou Nora, que só então se lembrou... De que era ela que deveria falar:

- Sim, claro.

Demorou mais alguns instantes para atender ao sinal que Maria Lúcia fez com a cabeça para o lado:

- É... Jaime?

Ele respondeu sem se virar:

- Pois não?

Nora tentou ser natural, sem muito resultado:

- Logo ali na frente tem uma praça, você... Você poderia parar, por favor? É onde a minha amiga vai ficar.

Sempre com o rosto e os olhos voltados para frente, o chofer manteve-se estritamente profissional:

- Perfeitamente, senhorita.

“Não desconfiou de nada.”

Nora pensou, com um alívio que durou pouquíssimo. Quando o carro parou, agarrou-se à Maria Lúcia, inteiramente desesperada:

- Tem certeza?

A resposta foi soprada no ouvido dela, sem hesitação alguma:

- Nunca, em toda a minha vida, eu tive tanta certeza de algo.

Beijou Nora nas faces, os olhos marejados de uma emoção irrefreável:

- Obrigada! Muito obrigada!

Desceu do carro quase correndo, levando com ela uma pequena valise e toda a confiança do mundo no futuro que tanto desejava. Correu para alcançá-lo. Paulo. Que a recebeu nos braços com um beijo apaixonado.

Dentro do carro, através do vidro fechado, Nora assistiu a cena querendo crer que era real e possível tal felicidade. Tentando afastar a sua própria verdade e o medo terrível que sentiu pela amiga... Inutilmente.

“Quando a fome bater à porta o amor sairá pela janela.”

Era só nisso que seus dezoitos anos esfolados pela dura realidade a permitiam acreditar.



Durante o restante do percurso, buscou encontrar um pouco de serenidade repetindo para si mesma... As palavras de Maria Lúcia na noite passada. Capazes de convencê-la a estar ali, de forma inexorável, sem ter como voltar atrás.

“Sempre disseram que fisicamente nós somos muito parecidas. E você é a pessoa que mais me conhece no mundo. Vai saber com exatidão o que fazer e o que falar. Pode ficar no meu lugar. É só por alguns dias. Só até eu estar casada com Paulo. Aí minha tutora não vai mais poder fazer nada.”

Quanto mais pensava, mais chegava à conclusão de que tinha tudo para dar errado.  

Impressão que só se aprofundou enquanto descia do carro, subia a escadaria e entrava na mansão onde, em fila, os criados a esperavam. A mais velha caminhou diretamente para ela:

- Senhorita, meus pêsames. Apesar das circunstâncias tão lamentáveis, seja bem vinda. Sou Ivone, a governanta. Deixe-me apresentá-la ao resto da criadagem.

Deixou-se conduzir, acenando com a cabeça para cada uma das pessoas que faziam o mesmo de cabeça baixa, sem fitá-la. 

O fato de não ser capaz de lhe ver as feições fez com que, com certa amargura, lembrasse:

“Você usa esse uniforme para se tornar invisível. Não uma pessoa, mas uma sombra que se move dentro da casa. Quanto menos for percebida, melhor é a serviçal.”

Profundamente incomodada na posição contrária, que anteriormente supunha muito mais confortável, não foi capaz de gravar os nomes. Na verdade, só ouviu o último:

- Senhorita Eduarda...

Virou-se para seguir a direção do olhar da governanta... Direto para o alto da escada... Que a mulher belíssima desceu, com uma elegância que Nora achou admirável... Até postar-se na frente dela, sem uma palavra. Fitando-a, como se a avaliasse. Quando os olhos se encontraram, Nora afinal a reconheceu.

“É ela! É ela!” 

Não foi capaz de descobrir se seria ou não desmascarada. Sentiu uma vertigem súbita, a vista tornou-se turva, o corpo amoleceu, os joelhos fraquejaram... A última coisa que conseguiu discernir, absolutamente mortificada, foi que... A estranha fraqueza que a tomava era... Um desmaio.

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postado originalmente em 29 de Janeiro de 2016 às 18:00.